sexta-feira, 31 de julho de 2009

DHAMMAPADA Trad. Mario Lobo Leal




DHAMMAPADA


[O caminho do Dharma] Trad. Mario Lobo Leal - Rio, Org. Simões, 1955

VERSOS GÊMEOS



1 — É o mental, em tudo, o elemento primordial. O mental é predominante; tudo do mental provém. Se com mau mental o homem fala ou age, segue-o tão de perto o sofrimento como a roda vai após a pata do boi que puxa o carro.
2 — É o mental, em tudo, o elemento primordial. O mental é predominante; tudo pelo mental se faz. Se com mental purificado o homem fala ou age, acompanha-o tão de perto a felicidade como a sua inseparável sombra.
3 — “Ele me vilipendiou. Ele me maltratou. Ele me rebaixou. Ele me roubou”. Nunca se acalma o ressentimento aos que a tais pensamentos dão acolhida.
4 — “Ele me vilipendiou. Ele me maltratou. Ele me rebaixou. Ele me roubou”. Não há ressentimento para os que jamais dão guarida a tais pensamentos.
5 — Em verdade pelo ódio não se destrói o ódio. Destrói-se o ódio pelo amor; é este um preceito eterno.
6 — Esquece-se a mor parte dos homens de que todos, um dia, morreremos. A luta suaviza-se para os que nisso meditam.
7 — Quem nos prazeres materiais se compraz e cujos sentidos são insubmissos; quem é na alimentação intemperante, preguiçoso, inativo, este, na verdade, por Mâra é abatido, como pelo vento o é o fraco arbusto.
8 — Contra quem só para os prazeres não vive, e cujos sentidos à razão se submetem e na alimentação é temperante, vive cheio de fé e constante, contra tal, em verdade, Mãra pode tanto como contra o rochedo o vento.
9 — Indigno é de usar o hábito amarelo quem de suas impurezas não se mundificou, quem carece de moderação e lealdade.
10 — Mas quem se purificou, e firme na virtude permanece, que tem o domínio de si mesmo e cultiva a temperança e a verdade, este é, de fato, digno de envergar o hábito amarelo.
11— Enquanto tomarmos pela verdade o erro e pelo erro a verdade, teremos um mental falso, não alcançaremos a verdade, e só vãos desejos possuiremos.
12— Mas reconhecendo por justo o que justo é, e por falso o que é falso, à verdade chegaremos e justos desejos pretenderemos.
13— Como em casa cujo teto está avariado entra chuva, assim no ânimo instável penetra a cobiça.
14 — Como em casa bem coberta de palha a chuva não penetra, assim em ânimo equilibrado não entra, a paixão.
15 — Lamenta-se, neste mundo e no outro, o malfeitor. Em ambos os estados se lamenta. Diante da fealdade de seus atos geme e aflige-se.
16 Neste mundo e no outro quem procedeu bem é feliz. É feliz, aqui e lá, diante da pureza de suas obras.
17.__ Quem o mal fez, sofre neste mundo e no outro. Sofre em ambos os estados. Persegue-o o pensamento do mal praticado; e o seu tormento ao entrar nos círculos do Niraya aumenta ainda.
18 — Quem faz o bem é feliz neste mundo, é feliz no vindouro; é feliz em ambos os estados. Reconforta-o o pensamento do bem realizado. Ao entrar nos círculos dos devas (seres celestes), maior é ainda sua felicidade.
19 — O falar o homem muito da Doutrina, mas não agir consoante ela, é apenas melhor que o vaqueiro que só sabe contar alheio gado. Não é ele discípulo do Bendito.
20 — Falar o homem pouco da Doutrina e entretanto os preceitos lhe praticar, rejeitando toda cobiça, toda ira e toda ilusão, se possui o verdadeiro conhecimento e o mental livre completamente de todos os liames, se a nada deste mundo ou de outro qualquer se ligar, este, sim, é discípulo do Bendito.


DO RECOLHIMENTO INTERIOR



21 — É o recolhimento interior o caminho do nibbana. É a negligência a senda da morte. Não perecem os recolhidos. Mortos já estão os negligentes.
22 — Os que, bem fundados neste conhecimento, no recolhimento se adiantaram, nele se deleitam e no modo de vida dos áriyas se comprazem.
23 — Os sensatos, meditativos, perseverantes, que lutam contra si mesmos sem tréguas, atingem o nibbana, que é o sumo bem.
24 — Quem saiba o zelo manter, ser puro em obras, proceder de modo refletido, domar as paixões, viver segundo a moral, este tal verá crescer sua boa fama.
25 — Pela diligência, pelo recolhimento interior, pelo auto-domínio, deve o homem esclarecido tornar-se uma ilha a qual jamais as vagas poderão submergir.
26— Na sua insensatez entregam-se os néscios à negligência. Conserva o verdadeiro sábio o recolhimento interno como o tesouro mais precioso.
27 — Não vos deixeis cair na inércia, nem nos prazeres sensuais. Quem à meditação se dá, ampla messe de alegria colhe.
28 Ao se livrar o homem recolhido da negligência, tendo escalado os mirantes da sabedoria, lá do alto olha ele para os insensatos. Com serenidade contempla as multidões aflitas, como divisa as gentes da planície o montanhês.
29 — Entre os descuidados zeloso, entre os sonolentos desperto, avança esclarecido, avança o sábio co-
mo o corcel que deixa após si pobre rocinante.
30 — É admirado o recolhimento. A negligência é vituperada. Pelo recolhimento elevou-se Indra à mais alta das esferas divinas.
31 — Move-se como a chama o bhikkhu que teme a negligência e no recolhimento se deleita, como consumidos vê ele em breve cair todos es obstáculos, grandes e pequenos.
32 — O bhikkhu que na reflexão se compraz, e teme a negligência, não mais pode recair. Do nibbana ele se apropínqua.

O MENTAL



33 — Como o fabricante de flechas cuida em que sejam elas direitas, assim corrige o sábio o pensamento instável e incerto, difícil de se manter reto, difícil de guiar.
34 — Qual peixe fora d’água nosso espírito treme e anela por abandonar o reino de Mara.
35 — Difícil de governar, instável é o mental sempre à cata de prazeres. Bom é dominá-lo; a mente domada traz felicidades.
36 — Que o sábio seja senhor dos pensamentos, por que eles são sutis e difíceis de agarrar e sempre a cata de prazeres; a mente bem guiada traz felicidade.
37 — Errando ao longe, solitário, inconsistente e oculto no recesso do coração, tal é o mental. Quem chega a submetê-lo, liberta-se dos vínculos de Mara.
38 — Aos espíritos instáveis, ignorantes da verdadeira lei, e carecentes de serenidade, a sabedoria não chega em sua plenitude.
39 — Não tendo pensamentos agitados, nem a mente turbada pelo desejo, se ele não mais se inquieta com o bem e o mal, tal homem bem desperto desconhece o temor.
40 — Sabendo-se ser o corpo frágil como um vaso, e fortificando o mental como uma cidadela, ataquemos Mâra com o gládio da sabedoria, e conservemos ciosamente o vencido.
41 — Daqui a pouco este corpo jazerá por terra abandonado, privado de entendimento como um bordão.
42 — O inimigo fere o inimigo, o que odeia fere o que o odeia, pior ainda é o mal causado pelo mental mal aplicado.
43 — Pai, mãe, nenhum parente nos tornará tão felizes como o mental bem dirigido.



AS FLORES



44 — Quem dominará êste mundo e o reino de Yama (a morte) com suas divindades? Quem saberá reunir as estrofes do Sublime Ensino como ramilhetes de flores?
45 — O discípulo dominará êste mundo e o reino de Yama com suas divindades; o discípulo saberá reunir habilmente as estrofes do Sublime Ensino como quem tece grinaldas de flores.
46 — Aquêle que julga ser o corpo efêmero como a espuma e ilusório como a miragem, desviará a flecha florida de Mara e não verá o rei da morte.
47 — O homem que se dedica a colhêr prazeres como flores, é agarrado pela morte, que o puxara como a inundação arrasta a aldeia adormecida.
48 O que colhe avidamente as flores do prazer é surpreendido pela morte antes mesmo da saciedade.
49 Que o anacoreta viva em sua aldeia como a abêlha recolhe o néctar sem prejudicar a côr e o perfume da flor.
50 Não vos ocupeis das ásperas palavras alheias nem de seus atos, nem tampouco de suas omissões. Sêde antes cônscios dos próprios atos e das próprias negligências.
51 Semelhantes a belas flores coloridas, fulgentes e inodoras são as palavras eloqüentes do que não age.
52 Semelhantes a belas flores fulgentes e perfumosas são as palavras cheias de senso e frutuosas do que age.
53 Como um punhado de flores pode fazer quantidade de capelas, assim por um só mortal muitas boas ações devem ser praticadas.
54 O odor das flores, do sândalo, do incenso ou do jasmim não domina o vento; mas o perfume da sabedoria sobrepuja o vento, Por toda parte espalha o homem santo o olor da virtude,
55 Muito acima do aroma do sândalo, do incenso, do lódão, ou do jasmim, reina o perfume da sabedoria.
56 Fraco é o perfume do incenso e do sândalo comparado ao da sabedoria que ascende até as mais altas divindades.
57 No que tange aos sêres de contínuo recolhidos e libertados pela soberana sabedoria, Mâra ignora o caminho por êles seguido.
58-9 Como o lírio fragrante nasce num montão de lixo à margem do caminho, assim o discípulo do Sublime Iluminado brilha pelo saber entre a multidão dos cegos dêste mundo.

O INSENSATO





60. Longa é a noite do vigilante, longo é o caminho para quem está cansado; longa é a série dos nascimentos e das mortes dos insensatos desconhecedores da verdadeira lei.
61. Não encontrando o viandante quem lhe seja melhor ou igual, que ousadamente ele continuie o caminho, solitário. Não há sociedade com o néscio.
62. "Esses filhos são meus, essas riquezas são minhas”. Tais são os pensamentos atormentadores do néscio. ÊIe não é senhor de si mesmo; muito menos lhe pertencem filhos e riquezas.
63. O néscio que conhece sua estultícia, nisso é, pelo menos, sábio. Mas o insensato que se julga sábio, é justamente tido por louco entre os homens.
64. — O néscio convivendo com o homem sábio, mesmo durante toda a vida, ignora tanto a verdade como a colher o gosto da sopa.
65 O homem inteligente tratando um só minuto com o sábio, conhecerá de pronto a verdade, como a língua sente o sabor da sopa.
66 Os néscios, os loucos, são os seus piores inimigos; amargo é o fruto que colhem de suas más ações.
67 Não é bom praticar obras que tragam tristezas e das quais o fruto será colhido com lágrimas e lamentos.
68 Bem feito é o ato não produtor de nenhuma aflição e cujo fruto é colhido com alegria e júbilo.
69. 'É doce como o mel', assim pensa o néscio do mal feito que ainda não amadureceu; mas quando o mal frutifica, então sofre por isso o estulto.
70. Alimente-se o insensato, durante meses, de erva kuxâ, nem por isso igualará a décima-sexta parte dos estados dos ornados (arahans).
71. Não se muda de repente o mal feito como o leite que se coagula. Como centelha sob cinzas, um belo dia o mal irrompe sobre o néscio.
72. Logo que a vã ciência do insensato dá fruto, então se acaba a felicidade do néscio.
73. Vêem-se estultos buscar falsa reputação e o primeiro lugar entre os bhikkhus; prelazias nos mosteiros e a deferência do povo da vizinhança.
74. “Que seculares e religiosos me julguem perfeito, e se submetam às minhas menores ordens”. No ápice do orgulho assim blasona o tolo.
75. Existe uma via conducente aos bens terrestres, outra há que leva ao nibbâna. Sabedor disto, o bhikkhu, discípulo do Supremo Iluminado, não aspira às honras, mas vota-se à solidão.

O SÁBIO



76 — Considera quem te repreende os defeitos como se êle te desvendasse tesouros. Liga-te ao sábio que te reprova os erros, Quem isto faz, torna-se melhor, não pior.
77 — Que se derrame em advertências, em exortações, que se repudie o mal; a gente será amada dos homens justos e detestada pelos improbos.
78 — Não tenhas por amigos os obreiros do mal ou os de alma vil. Ajunta-te aos bons, busca a amizade dos melhores dentre os homens.
79 — Quem bebe na fonte da Doutrina, vive feliz com ânimo sereno. Alegra-se sempre o sábio com a Doutrina ensinada pelos áriyas.
80 —Os aguadeiros conduzem a água a seu talante; os fabricantes de flechas as ajeitam; os carpinteiros burilam a madeira; os sábios a si mesmos vencem.
81 Tal a rocha não abalada pelo vento, o sábio não é atingido nem pelo vitupério nem tampouco pelo elogio.
82 Assim o sábio, depois de penetrado pela Doutrina, se torna plácido como lago profundo, sereno e tranqüilo.
83 Por onde quer que os verdadeiros sábios andem não são sedentos de prazer. Tocados pela dor ou
pela alegria, nêles nenhuma alteração se vê.
84 Para o próprio bem ou para o alheio, não deseja o sábio filhos, fortuna ou mando. Não funda o próprio êxito na falência alheia. Ele é dotado de virtude, de inteligência e de justiça.
85 Poucos homens há que alcançam a outra margem. A maioria vai e vem sem ousar atravessar.
86 Mas os que ouviram e vivem a expressão perfeita da Doutrina, qualquer que seja a dificuldade da travessia, vencem o domínio
da morte.
87 Abandonará o sábio os caminhos tenebrosos e seguirá os luminosos. Deixará o lar pela solidão buscando aí os prazeres que lá pareciam ausentes.
88 Extinta a sêde dos desejos e o apêgo às volúpias, lavar-se-á o sábio de tõdas as imundícies da mente.
89 Aquêle, cujo espírito está treinado em todos os graus do saber (discernimento da verdade, energia, alegria do verdadeiro, serenidade, meditação, equanimidade) e desapegado de tudo, se compraz na renúncia; cujos apetites foram subjugados e está inundado de luz, êste, mesmo aqui no mundo, atinge o nibbâna.

O VENERÁVEL (ARHAT)



90 — Não há desgraça para quem terminou sua viagem, abandonou todo cuidado, libertou-se de tôdas as partes, rejeitou todos os apegos.
91 Bem resoluto êle parte, não mais lhe basta sua morada; como os cisnes ao abandonarem o lago, deixa de após si a casa, o lar
92 De quem nada possui, que só toma o alimento estritamente necessário, e percebeu a vaidade do século, é tão difícil de seguir a rota como a dum pássaro voando.
93 De quem perdeu o desejo e o amor das ilusões da vida, que pouco se lhe dá alimentação e se embriagou do espaço e liberdade, é. tão difícil de seguir o rumo como o dum pássaro voando.
94 Os próprios deuses invejam aquêle cujos sentidos foram domados (como o são os cavalos pelos cavaleiros), que se purgou de todo orgulho e se libertou das concupiscências.
95 O cumpridor do dever é impassível como a própria terra. Firme como u'a coluna, transparente como o lago sem limo; o ciclo de suas vidas terminou.
96 Tranqüilos são os pensamentos, palavras e obras do que se libertou e chegou à calma, pela perfeição da sabedoria.
97 É o mais excelente de todos os homens quem não é crédulo, mas conhece o incriado, quem rompeu tôdas as cadeias do mundo, destruiu todo elemento de novo nascimento.
98 — Quer vivam os homens veneráveis (arahants) numa choupana, num bosque, na planície ou sôbre a água profunda, é sempre agradável com êles conviver.
99 — Deliciosas são as florestas desdenhadas pela multidão; aí acha deleite o homem venerável e sem paixões, porque não busca os prazeres.

OS MILHARES






100 — Melhor que mil palavras sem senso é uma só palavra razoável capaz de trazer paz ao ouvinte.
101 — Melhor que mil versículos carecentes de sentido é um único versículo lógico podendo dar paz ao ouvinte.
102 — A cem versículos desprovidos de senso é preferível um só versículo da Doutrina dador de paz ao ouvinte.
103 O maior dos conquistadores não é o que, em batalha, vence milhares de homens, mas o vencedor de si mesmo.
104 A vitória sobre si mesmo alcançada é mais importante do que a obtida sobre todos os povos.
104 Nem deus, nem gandhabba, nem Mâra, nem Brahmã podem trocar tal vitória em derrota.
106 — Se, mês após mês e durante um século, se oferecem sacrifícios aos milhares, e num único momento se presta culto a um ser penetrado de sabedoria, esta única homenagem vale mais que tais inúmeros sacrifícios.
107 — Se um homem, durante cem anos, mantiver a chama no altar de Àgni e, por outro lado, render um só instante honra a alguém que domou os instintos, esta breve homenagem vale mais que a longa devoção.
108 — Quaisquer que sejam os sacrifícios e oblações que possa alguém oferecer no decurso de um ano inteiro para daí auferir mérito, tudo isso não valeria mesmo quatro vêzes menos que a homenagem tributada ao justo.
109 — Quem é respeitoso para com os anciães será quatro vêzes próspero: na longura de seus dias, na beleza, na alegria e na saúde.
110 — Vale mais um só dia vivido na sabedoria e na meditação que cem anos passados no vício e na sensuallidade.
111 Vale mais um só dia vivido na sabedoria e na meditação que um século passado na preguiça e na inércia.
112 Vale mais um só dia vivido na sabedoria e na meditação que cem anos passados na estultícia e na ignorância.
113 — Vale mais que um século vivido na ignorância do transitório um só dia decorrido no sentimento de que tudo nasce somente para morrer.
114 •— Vale mais que um século vivido na ignorância da senda do nibbâna um simples dia passado na contemplação do caminho que não conduz à morte.
115 — Vale mais que um século vivido na ignorância da Verdade Suprema um só dia decorrido na contemplação da Verdade Suprema.

O MAL




116 — Apressa-te para o bem, deixa atrás de ti os maus pensamentos. Fazer o bem sem entusiasmo, é ter espírito que se compraz no mal.
117 — Se alguém agir mal, evite de nisso reincidir. Que nêle não se deleite. Dolorosa é a acumulação do mal.
118 — Se alguém agir bem, persevere e nisso se alegre. Bem-aventurada é a acumulação do bem.
119 — Pode o malvado conhecer satisfação enquanto ainda está verde a má ação, mas, uma vez esta amadurecida, o malvado conhece a infelicidade,
120 — Pode o homem de bem passar maus dias, enquanto a boa ação ainda está verde; mas, uma vez ela amadurecida, conhece dias felizes quem faz o bem.
121 Não trates levianamente o mal, dizendo: “Dêle sempre estarei isento . Gôta a gôta o cântaro se enche; assim o néscio, a pouco e pouco, se encherá de maldade.
122 Não trates levianamente o bem, dizendo: “Nünca o atingirei Gôta a gôta se enche o cântaro; assim o sábio, aos poucos se encherá de bondade.
123 O negociante, portador de grandes riquezas e acompanhado apenas de fraca comitiva, evita as rotas perigosas, e o homem que ama a vida evita o veneno; procede então da mesma sorte para com o mal.
124 Pode tocar impunemente a peçonha a mão sã e não ferida, Age assim porque o mal não afeta o homem de bem.
125 Ofender a pessoa pura, inocente e indefesa, é expor-se ao retorno da injuria como quem tivesse atirado poeira contra o vento.
126 — Certas pessoas voltam à terra; os maus vão para as esferas do niraya; os justos sobem para as esferas celestes; os libertos de todo desejo alcançam o nibbâna.
127 Em nenhuma parte do mundo inteiro há lugar onde encontre o homem abrigo contra suas más ações: nem nos ares, nem nas profundezas do oceano, nem nos antros dos rochedos.
128 Nos ares, nas profundezas do oceano, nos antros dos rochedos, em nenhuma parte do mundo inteiro há lugar onde o homem ache guarida contra a morte.

O CASTIGO



129 — Tremem todos diante do castigo; temem todos a morte. A julgar os outros por vós mesmos, não mateis, não sêde causa de crimes.
130 — Tremem todos diante do castigo; a vida a todos é cara. A julgar por vós mesmos os outros, não mateis, não sêde causa de crimes.
131 — Quem quer que, buscando a própria felicidade, fere criaturas ávidas de felicidade, não a obterá após esta vida.
132 — Quem quer que, procurando a próprIa felicidade, não fere criaturas ávidas de felicidade, a obterá depois desta vida.
133 — Não dirijas a ninguém palavras pesadas; elas voItar-se-ão contra ti. Cheias de sofrimento são as palavras coléricas; quem as pronunciou sofrerá o choque de retõrno.
134 — Se ficares tão silencioso como o gongo quebrado, entraste no nibbâna; tôda violência se aplacou em ti.
135 — Como o pastor com o báculo leva o rebanho para o pasto, assim a velhice e a morte conduzem a vida para fora de todos os sêres vivos.
136 — Pratica o néscio o mal por falta de inteligência, é queimado e atormentado por suas ações como pelo fogo.
137 — Fazer mal a quem não o comete, ofender quem não ofende, é apropinquar-se rápidamente de um dêstes dez estados:
138 — Penosas dores corporais, acidentes, doenças graves, loucura;
139 — Luta com a autoridade, calúnia grosseira, perda dos parentes, destruição dos bens.
140 — Incêndio da casa; e, no momento da dissolução do corpo, a passagem ao niraya.
141 — O costume de andar nu, o de ter os cabelos entrançados, o de espalhar poeira pelo corpo, o jejum, o dormir no chão, o fato de se cobrir de cinzas, as prosternações, nada disso purifica o mortal, ainda não livre das concupiscências e da dúvida.
142 —Vestido embora com apuro, se o homem cultiva
a tranquilidade de espírito, é manso, resignado, senhor
de si, casto, e a ninguém faz mal, tal homem é brâmane,
é asceta, é bhikkhu.
143 —Há no mundo asceta tão imaculado para não
merecer nenhuma censura, assim como o corcel puro
sangue não merece nenhuma chicotada? Como o cavalo
fogoso tangido pelo chicote, sêde vivos e rápidos para
a meta.
144 —Pela confiança, pela virtude, pela energia, pela
meditação, pela pesquisa da verdade, pela perfeição do
saber e da conduta, pela concentração, deixai atrás o
grande sofrimento da vida.
145 —Os lavradores fazem regos que conduzem a água.
Os fabricantes de flechas modelam-nas, Os carpinteiros
vergam a madeira. Os sábios se dominam a si mesmos.

A VELHICE




146 — Que prazer, que alegria pode haver num mundo devastado pelos tormentos? O tu que estás envolto em trevas, não buscarás a luz?
147 — Olha esta pobre forma mascarada, esta massa de elementos malsãos cheia de enfermidades e vãos desejos, onde nada mais resta.
148 — Esta forma frágil acabada pela velhice. que é senão ninho de doenças, de decrepitude e de corrução? A morte é a sua vida.
149 — Que alegria pode haver ao contemplar êsses ossos embranquecidos, dispersos como cucúrbitas no outono?
150 — Nesta fortaleza construída de ossos recobertos de carne e sangue, moram a arrogância e a simulação, a decrepitude e a morte.
151 — Pelo uso são gastos os carros pomposos dos rajás. Nosso corpo ten de também para aniquilamento certo, a piedade dos justos não sofre a velhice, mas passa o saber do sábio a outro sábio e não encontra jamais a destruição.
152 — Envelhece o homem ignorante à maneira do boi: aumenta de peso não de sabedoria.
153 — Atravessei muitos nascimentos no ciclo das vidas e das mortes, em vão procurei o arquiteto da casa. Que miséria, nascer e renascer sem fim!”.
151 — “Conheço-te agora, ó arquiteto. não mais construirás a casa, Quebradas estão tôdas as vigas, desabou a cumeeira. Livre está o meu espírito pois cheguei à extinção dos desejos".
155 — Os que não observaram a disciplina conveniente, e não colheram durante a mocidade as riquezas do verdadeiro dever, perecem como velhas garças tinto a lago sem peixes.
156 — Os que não observaram a disciplina conveniente e não recolheram durante a mocidade as riquezas do saber, são como arcos rotos, Só têm que se lamentar das fôrças perdidas.

O EGO

157 — Se alguém ama a si mesmo, que se vigie bem. Velará o sábio um têrço da noite.
158 — Começa por te estabelecer a ti mesmo no reto caminho, depois poderás aconselhar os outros. Que o homem sábio nenhuma ocasião dê a censuras.
159 — Se alguém a si mesmo se formar, seguindo os conselhos dados aos outros, então, bem dirigido, pode a outrem dirigir. Difícil é, de fato, dominar-se.
160 — Na verdade, cada qual é custódio de si mesmo; que outro guardião se poderá encontrar? Disciplinando-se a si mesmo, tem o homem guarda difícil de substituir.
161 — O mal feito por si mesmo, gerado em si, oriundo de si, esmaga o fraco de espírito como o diamante pulveriza as outras pedras preciosas.
162 — Aquele cujas más ações pululam como a parasita ao cobrir a árvore sâla, a si mesmo causa o mal que lhe desejaria um inimigo.
163 — Fácil é prejudicar e danificar. Dificílimo de cumprir é o que é útil e salutar.
164 — Dedicado às más noções, rejeita o néscio os preceitos dos Nobres Sêres, dos Arhat, dos homens retos, e é comparável ao fruto da árvore Katthaka que para a própria destruição amadurece.
165 — Paga o homem de mesmo, o mal feito, ele mesmo dêle se purifica; o bom e o mau purificam-se individualmente. Ninguém pode a outrem mundificar,
166 — Que ninguém negligencie de seguir o próprio Bem Supremo, buscando alcançar o bem de outro, mesmo se isto lhe pareça de grande valor. Percebendo claramente a melhor linha de conduta saiba dela não se desviar.

O MUNDO




167 — Não sigas a via do mal. Não cultives a preguiça de espírito! Não corras atrás de idéias falsas! Não sejas do que se atardam no mundo!
168 — Levanta-te! Não sejas negligente! Segue o ensino da sabedoria! O sábio é bem-aventurado neste mundo e no outro.
169 — Segue o ensino da sabedoria; afasta-te do mal; o sábio é bem-aventurado neste mundo e no outro.
170 — Se considerares o mundo como bôlha de sabão, se tiveres o mundo apenas como miragem, não te alcançará o rei da morte.
171 — Vamos, olha o mundo como o carro pintado do rajá; cousa atraente para os néscios, mas que, à verdade, nada tem que valha para atrair os inteligentes.
172. — Aquêle que, tendo sido negligente, se torna recolhido, ilumina êste mundo como a lua ao sair dentre as nuvens,
1 73 — Aquêle cujas boas ações cobrem o mal feito, ilumina êste mundo como a lua livre das nuvens.
174 — Tenebroso é o mundo; raros são os que reconhecem o caminho e que, tal o pássaro ao escapar do laço, atingem a celeste mansão.
175 — Voam os cisnes no caminho do sol. Voam através dos ares os possuidores de poderes supra-normais. Deixam os sábios o mundo depois de vencidas as perfídias de Mâra.
176 — Expõe-se a cometer todo o mal possível o homem transgressor de um só artigo da Doutrina, que profere más palavras e despreza o mundo superior.
177 — Em verdade, o avaro não chega ao mundo divino. A alegria de dar não a conhecem os néscios. Pelo contrário muito se alegra o sábio na caridade e por isso marcha alegre para o outro mundo.
178 — Melhor vale entrar na corrente do nibbâna do que dominar a terra, atingir o céu ou reinar sobre os universos.

O BUDA



179 — Aquêle cuja vitória nunca, jamais, foi ultrapassada nem mesmo igualada, o Sublime Desperto, que está na esfera a que nada pode limitar, por que pista despistá-lo, a de que não deixa pegadas?
180 — Aquêle em quem não mais há cobiça ou desejo, de que modo pode ser dirigido? Por que pista despistá-lo, a êle que não deixa pegadas?
181 — Invejam os próprios deuses aos sábios, aos despertos, aos recolhidos, que se deleitam no retiro do mundo.
182 — Difícil é conseguir nascer no estado de homem. Difícil é viver esta vida mortal, Difícil é conseguir ocasião de ouvir a verdadeira lei (dhamma). Difícil é o nascimento dos despertos, dos budas.
183 Abster-se do mal; fazer o bem e purificar o mental; tal é o preceito dos budas.
184 A melhor das práticas ascéticas é a paciência constante. E o estado nibânico o mais perfeito, dizem os budas. Não é em absoluto um pabbajita (discípulo) quem faz mal aos outros sêres, nem se torna verdadeiro asceta (sámana) quem a outrem injuria.
185 Não vituperar, a ninguém prejudicar, praticar a disciplina segundo a lei, ser moderado no comer, viver retirado e dar-se a altas meditações, tal é o ensino dos. budas.
186 Nem mesmo uma chuva de riquezas poderia estancar a sêde dos desejos, pois são êles insaciáveis e geram a dor; eis o que vê o sábio.
187 Para o sábio até os prazeres celestes são insípidos; o discípulo do Buda, do Desperto Supremo. só se compraz na abolição de todo desejo.
188 — Compelidos pelo mêdo, muitos homens buscam refúgio nas montanhas, florestas, ou perto dos bosques sagrados.
189 — Mas não é êste o refúgio ótimo nem seguro. O homem que a êle se confia, não se liberta de todas as dores.
190 Quem se refugia no Buda, no dhamma e no sangha, na sabedoria realizada, percebe claramente as quatro verdades seguintes:
191 A dor, a origem da dor, o aniquilamento da dor, e o óctuplo caminho que leva ao aniquilamento da dor.
192 Em verdade, êste é o refúgio seguro, é o refúgio ótimo, Acolher-se a êle é libertar-se de tôda dor.
193 Difícil de encontrar é o homem superior, o buda. Tal ser não nasce em qualquer parte. E onde êste sábio nasce, benditos são os que o rodeiam.
194 — Bendita é a aparição dos budas, bendita a difusão da lei verdadeira, Bendita a unidade do sangha. bendita a devoção dos discípulos.
195-6 Não há medida para o mérito do homem que reverencia os dignos de preito, a saber um buda e seus discípulos, êsses libertos, êsses detentores da certeza, tendo superado todos os obstáculos, tendo atravessado o rio da aflição e do desespêro.

A FELICIDADE



197 — Entre os que odeiam, felizes somos se vivemos sem ira. No meio dos homens que odeiam, estejamos livres de rancor.
198 — Entre os que sofrem, felizes somos os que sem sofrer vivemos, Em meio aos que sofrem, sejamos livres de sofrimento.
199 — Entre os que desejam, felizes somos os que sem desejos vivemos. Em meio dos que desejam, sejamos livres de desejos.
200 — Felizes em verdade somos, nós que nada possuímos. Seremos nutridos de alegria como os deuses radiantes.
201 — Gera a conquista hostilidades. Jaz na desgraça o vencido. Descansa na alegria o homem pacífico, que desdenha tanto da vitória como da derrota.
202 — Não há fogo tão ardente como a paixão nem maior pecado que o ódio. Não há miséria comparável à que causam os elementos da vida; não há beatitude superior à paz do nibbâna.
203 É a fome doença gravíssima. Causam as piores desgraças os elementos da vida que constituem a existência. Quem isto sabe de acôrdo com os fatos e a verdade, alcançou o nibbâna, a suprema beatitude.
204 É a saúde o maior bem, o contentamento é a melhor riqueza. O amigo fiel é o melhor parente. Mas a suma beatitude é o nibbâna.
205 Ao gostar as doçuras da solidão e da paz. liberta-se o homem do sofrimento e do mal; bebe a doçura da verdade.
206 É bom contemplar os âriyas (os nobres); viver junto dêles é uma dita. Feliz o que não deita nunca o olhar sôbre estultos.
207 — Tratar com néscios é comprar aborrecimentos. Viver com tolos, é em tôdas as circunstâncias tão vergonhoso como conviver com inimigos. Coabitar na companhia do sábio é gozar da mesma felicidade que viver no meio dos seus.
208 — Recorre, portanto, à sociedade do sábio, do douto, do erudito, do homem piedoso que está sob o jugo da verdade. Como a lua segue o caminho das estrêlas, segue o exemplo do bom e do sábio.



O PRAZER




209 — Dedicar-se ao que é improficuo e não se dedicar ao aproveitável, sacrificar os verdadeiros valores à caça de prazeres, é preparar o remorso de não ter agido como os que escolheram a melhor via.
210 — Pouco se te dê, pois, o prazer ou o desprazer; pois doloroso é deixar o agradável, e também é doloroso topar o desagradável.
211 — Deve evitar-se amar o que quer que seja, pois é mal a perda do objeto amado. Não há grilhões para os que nem amam nem tampouco odeiam.
212 — Da afeição nasce o pesar, da afeição se origina o temor. Livres de afeição não sentiremos nem pesares nem temores.
213 — Do amor se origina a tristeza, do prazer vem o temor. Quem está de todo livre do prazer não tem tristezas nem temores.
214 — Do deleite vem a tristeza, do deleite nasce o temor. Os livres de cobiça não conhecem tristezas nem temores.
215 — Do desejo dos sentidos vem o tédio, do desejo dos sentidos nasce o temor. Os libertos de concupiscências, não conhecem tédio nem temor.
216 — Da cobiça vem o tédio, da. cobiça nasce o temor, quem pelos apetites não é dominado não tem tédio nem temor,
217 — O mundo estima quem possui sabedoria e intuição, o homem pio e verdadeiro que faz o que lhe cabe fazer.
218 — Chama-se vogador da corrente o que aspira ao inefável nibbâna, aquêle cujo mental é firme e cujos pensamentos escaparam aos laços da cobiça.
219 — Ao homem que volta de longa viagem saúdam amigos e parentes.
220 — Assim é o homem de bem acolhido ao passar dêste mundo ao outro; com alegria suas boas ações lhe saúdam a volta.


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