sexta-feira, 31 de julho de 2009
DHAMMAPADA CONCLUSÃO Trad. Mario Lobo Leal
DHAMMAPADA
[O caminho do Dharma] Trad. Mario Lobo Leal - Rio, Org. Simões, 1955
A IRA
221 — Repele a ira, depõe o orgulho, quebra todos os grilhões. Quem se desembaraça dos elementos constitutivos da vida, quem a cousa alguma em absoluto se apega, fica isento do sofrimento.
222 — Qualquer que retiver a cólera impetuosa, como se pára o carro em disparada, merece o nome de condutor. Os outros só seguram as rédeas.
223 — À cólera opõe a serenidade, ao mal o bem. Conquista o avarento pela generosidade e o mentiroso pela sinceridade.
224 — Dize a verdade, não te entregues à cólera; dá do pouco que possuis a quem te pede; por estas três condições aproximam-se dos deuses os homens.
225 — Os que a nenhuma criatura viva ferem, os sábios sempre donos de seus sentidos, estão em caminho da condição imperecível em que não mais padecerão.
226 — Os que passam no estudo e na vigilância os dias e as noites, com o mental voltado sempre para o nibbâna, um dia se livrarão do laço da paixão e da ilusão.
227 — Não é só de hoje, mas há muito tempo que são criticados os que se assentam em silêncio, os que falam em excesso e os que o fazem com moderação. Não há no mundo ninguém que escape à crítica,
228 — Não há, nunca houve, e jamais haverá alguém no mundo exposto só aos vitupérios ou aos louvores.
229 — 30 — Se um homem fôr louvado pelos sábios, pelos que dia a dia o observam, pelos doutos, pelos imaculados, pelos que usam a sabedoria e a virtude como alfaia de ouro, quem então teria direito de censurá-lo? Seria apreciado até pelos deuses, o próprio Brahmâ o apreciaria.
231 — Guardai-vos da insubmissão do corpo. Refreai os atos. Deixando as maneiras errôneas de agir, segui a via das ações justas.
232 — Sêde vigilantes contra a insubordinação da língua. Refreai as palavras. Abandonando as maneiras errôneas de falar, segui a via das palavras justas.
233 — Sêde vigilantes contra a insubordinação do espírito. Refreai os pensamentos. Deixando de parte as maneiras más de pensar, segui a via dos pensamentos justos.
234 — Os sábios cujas ações são vigiadas, cujas palavras são refreadas, cujos pensamentos são domados, à verdade, tais têm perfeito domínio de si mesmos.
A IMPUREZA
235 — Eis-te como fôlha sêca; agarram-te os arautos de Yama. Estás às portas da morte e não tens o viático das boas obras.
236 — Constrói então ràpidamente tua ilha de refúgio. Sê prudente. Apressa-te. Lavado e purificado, entrarás na celeste mansão dos Sêres Nobres.
237 — Terminaram-te os dias, estás em presença da morte. Não tens nenhuma pausa no caminho e não tens as necessárias provisões.
238 — Constrói ràpidamente tua ilha de refúgio. Sê prudente. Apressa-te. Lavado e purificado, não mais estarás sujeito ao nascimento e à decrepitude.
239 — Como o ourives refina a prata bruta, assim, a pouco e pouco e de instante em instante, o homem sábio se despoja de suas máculas.
240 — Ao aparecer a ferrugem no ferro, o próprio ferro já está por ela carcomido. Da mesma sorte, do homem as más ações o levam ao castigo.
241 — Compromete a eficácia dos mantras a falta de repetição. Compromete a solidez das habitações a falta de conservação. O vício compromete a beleza do corpo. A desatenção trai a quem reflete.
242 — Para a mulher a má conduta é mancha, Para quem dá, a mesquinharia é mácula. A malfazeja disposição é mancha neste e no outro mundo.
243 — Maior ainda que tôdas as máculas é a ignorância. Lavai-vos desta única mancha e ficareis sem mácula, ó bhikkhus.
244 — Fácil é a vida que leva o impudico, o imprudente, o malicioso, o fanfarrão presunçoso, o impuro.
245 — A vida é sempre árdua para o modesto, para o que busca o que é puro, que é desinteressado, tranqüilo, íntegro e sensato.
246 — 247 — Já neste mundo está destruído quem destrói a vida; diz falsidades; toma o que não lhe foi dado; cobiça a mulher alheia, e se entrega às bebidas espirituosas.
248 — Sabe pois que é funesto não saber dominar-se. Age de tal modo que a concupiscência e a injustiça não te exponham a interminável sofrimento.
249 — Cada qual dá segundo a fé ou o prazer. Se te entristeces por causa dos alimentos e das bebidas ofertados a outrem, nem de dia nem de noite chegarás à concentração.
250 — Quem até as raízes extirpou tal sentimento chegará dia e noite à concentração.
251 — Não há fogo comparável à paixão, nem cativeiro tal como o ódio. Não há rêde embaraçada como a ilusão. Não há rio mais caudaloso que o desejo.
252 — Fácil é ver as faltas alheias, mas nosso vício é difícil de discernir. Joeiramos as faltas alheias como a palha do trigo; mas ocultamos as nossas como o astuto jogador dissimula o passe que o perderia.
253 — Ao ver sempre os defeitos alheios o critico entrega-se ao poder crescente do desejo, ao amor desta vida, à ilusão; ele está longe da destruição das paixões.
254 — Através do ar não há caminho; não há sâmana fora da boa via. Deleita-se a raça humana na perversidade. Os tathâgatas sobrepujaram êste obstáculo.
255 — Através do ar não há caminho; não há sâmana fora da boa via. Este mundo criado não é eterno, mas os budas (iluminados) permanecem inabaláveis.
O JUSTO
256 — Não é justo o homem que julga à pressa. O homem sábio é o que distingue o falso do verdadeiro.
257 — Quem a outrem julga com todo conhecimento de causa segundo a lei e a eqüidade; tal sábio, esclarecido pela Doutrina, merece o nome de justo.
258 — O sábio não é o que mais fala. É ao homem plácido, isento de cólera e temor, serviçal, valente, que se chama sábio.
259 — Não é falando muito que alguém é sustentáculo da Doutrina. Quem pouco sabe da Doutrina, mas nela pauta os atos, é o seu verdadeiro pilar. Êste não a despreza.
260 — Por ser encanecido, um homem não
é thera (ancião). “Ser velho só pelos anos que conta — diz o provérbio — é ter envelhecido em vão.
261 — Quem possui verdade, virtude, compaixão e dominio de si mesmo, que é sem mácula e sábio, merece de fato ser chamado de thera.
262 — Ao homem que é invejoso, avaro e fraudulento nem a palavra fácil, nem tampouco a bela aparência o honram.
263 — Aquêle em que tais disposições de espírito foram destruídas, desenraizadas, diz-se que tal homem sábio libertado das paixões é bem treinado.
264 — Quanto ao homem intemperante e mentiroso, não o torna asceta a cabeça rapada. Vitima da concupiscência e da cobiça, como pode ser um sámana?
265 — O que de todo o mal, pequeno e grande, está pacificado, merece ser chamado sâmana.
266 — Somente porque mendiga um homem não é bhikkhu. Não basta pronunciar os votos para se tornar bhikkhu. É preciso viver a Doutrina.
267 — Mas quem está acima do bem e do mal, que é casto, leva uma vida de saber e de reflexão, merece ser chamado bhikkhu.
268 — O homem que observa o silêncio nem por isso é sábio se é ignorante e insensato.
269 — Quem sabe pesar os prós e os contras e fazer a escolha, merece ser chamado sábio.
270 — Quem abandona o mal, escolhendo sabiamente é sábio. Quem tem conhecimento justo dos dois mundos (êste mundo e o além) por causa disso é chamado sábio.
271 — Não é áriya o homem que maltrata sêres vivos. Merece ser chamado áriya quem se apiada de tôdas as criaturas.
272 — Não foi pelas mortificações, nem por vasto saber, nem pela prática da meditação, nem pela vida solitária que pude atingir a felicidade desconhecida aos que vivem no mundo. Sêde vigilantes, ó bhikkhus, até atingirdes a extinção do desejo.
A SENDA
273 — A Óctupla Senda é a melhor senda; a Quádrupla Verdade é a melhor verdade. A impassibilidade é a melhor das condições; aquêle que vê e compreende é o melhor dos homens.
274 — Em verdade, esta é a Senda: não há outra que conduza à purificação do intelecto. Segui esta senda e Mâra será confundido.
275 — Seguindo tal senda, poreis têrmo ao sofrimento. Esta senda, eu a descobri quando aprendi a me preservar dos acicates da dor.
276 — De nós mesmos deve vir o esfôrço. Os tathâgatas só podem indicar a senda. Chegam os espíritos meditativos a se livrar dos vinculos de Mâra,
277 — “São caducos todos os elementos constitutivos desta vida”. Fica-se livre da dor, uma vez que a sabedoria fêz compreender isto. Esta é a senda da purificação.
278 — “Cheios de dor estão os elementos desta vida”. Fica-se à prova da dor, uma vez que a sabedoria fêz compreender isto. Esta é a senda da purificação.
279 — “Todas as formas criadas são irreais”. Fica—se à prova da dor, uma vez que a sabedoria fêz compreender isto. Esta é a senda da purificação.
280 — Chegado o momento de ser ativo e agir, qualquer que, jovem e forte, não cumpre o dever e ainda se entrega à preguiça; quem quer se mostre fraco, apático, débil na vontade e nas ações, êste não encontrará o caminho da sabedoria.
281 — Moderação de linguagem, vigilância do mental, abstenção de maus atos, uma vez abertas estas vias diante de ti, atingirás a senda ensinada pelos sábios.
282 — Pela contemplação intensa se adquire a sabedoria; pela falta de contemplação intensa se perde a sabedoria, Conhecidos êsses dous caminhos de aquisição e de perda, escolhe aquêle em que o saber progrida e cresça.
283 — Derrubai êste bosque e não uma árvore só. Dos bosques dos desejos sai o perigo. Depois de abatido êste mato grosso de árvores e arbustos, então ó bhikkhus, estais ao cabo de vossos sofrimentos.
284 — Enquanto não fôr cortada a última raiz do desejo do homem pelas mulheres, ter-se-á o espírito cativo e tão sujeito como o novilho que ainda mama.
285— Extirpa o amor de ti mesmo como o lódão é arrancado no outono. Anda a senda da paz, pois o nibbâna é ensinado pelo Sugata.
286— “Durante a estação das chuvas viverei aqui, na estação fria lá; alhures quando da canícula” assim faz o néscio projetos no coração sem se dar conta do que pode contrariá—los.
287— E êste homem que se deleita na abundância de filhos e rebanhos, cujo espírito só vive para o ganho e para a posse; agarra-o a morte e arrasta-o como o rio transbordado leva a aldeia adormecida.
288— Nenhum refúgio se encontra junto dos filhos, do pai ou da família. Não podem os teus oferecer-te nenhuma salvação, ao seres assaltado pela marte.
289— Sabendo disso perfeitamente, o sábio, o homem seguro de si, logo terá expedita a senda que conduz ao nibbâna.
MISCELÂNEA
290 — Sendo bastante deixar o prazer menor para se obter o maior, esquecer-se-á o homem sábio do primeiro para levar em conta o segundo.
291 — Buscar o próprio bem-estar em detrimento alheio, é envolver-se de ira, é tornar-se escravo de rancores.
292 — Negligenciar o que deve ser feito
e fazer o que se deve negligenciar,
é dar-se ao aumento do desejo e
da ilusão.
293 — Estar de contínuo alerta contra as surpresas dos sentidos, não procurar o que é mau, buscar com afinco o bem, é mostrar-se sábio refletido, ter dito adeus ao desejo e à ilusão.
294 — Morto o pai, (o orgulho), a mãe (a volúpia) e dois reis militares (do falso saber): abandonado o reino do prazer e tôda a dependência, caminha o brâmane são e salvo.
295 — Morto o pai, a mãe, e dois reis sacerdotes; abandonados os cinco veículos da existência (corpo, sensação, percepção, volição, consciência), caminha o brâmane são e salvo,
296 — Os discípulos de Gótama estão sempre bem despertos. Noite e dia o espírito dêles está cheio do Buda, do dhamma, do sangha e da natureza transitória de tôda a forma.
297 — Alertas, bem despertos, estão sempre os discípulos de Gótama. Dia e noite o seu mental está fixo na Doutrina (dhamma).
298 — Alertas, bem despertos, estão sempre os discípulos de Gotama. Noite e dia o mental dêles está fixo na sangha (comunidade).
299 — Alertas, bem despertos, estão sempre os discípulos de Gotama. Noite e dia êles se lembram da natureza efêmera das formas.
300 — Alertas, bem despertos, estão sempre os discípulos de Gotama, Noite e dia seu mental se deleita na compaixão.
301 — Alertas, bem despertos, estão sempre os discípulos de Gotama. Noite e dia seu mental se deleita na meditação.
302 — É duro abandonar o mundo. É penoso viver no mundo. Rude é a vida monástica, e difícil de se tolerar é a vida de família. É penoso pôr tudo em comum, mas o vadio é atormentado pela desgraça.
303 — O peregrino mendicante está sujeito à dor. Ganha glória e tesouros o homem cheio de fé e de coragem. Ële é reverenciado em toda a parte por onde ande.
304 — Como a cadeia nevosa do Himalaia, de longe, são reconhecidos os homens leais. Não mais visíveis são os homens todos que flechas disparadas de noite.
305----Que se deleite com a vida solitária das florestas o homem que come só, dorme só, caminha só, incansável no domínio de si mesmo.
O NIRAYA
306 — Aquêle que mente vai para o niraya. e o que, tendo agido, nega o ato. No futuro ambos participarào da mesma sorte, As obras dos homens acolhem-nos no além.
307 — Usando embora o hábito amarelo, se são dissolutos e instigadores do mal suas ações os levam ao niraya.
308 — Valeria mais engolir uma bola de ferro em brasa do que viver de esmolas quando se leva vida dissoluta.
309 — Quatro castigos aguardam o homem sem escrúpulos, que cobiça a mulher do próximo: infortúnio, sono agitado, reputação vergonhosa e o niraya.
310 — Há portanto a má reputação, o demérito, prazer breve e inquieto dos dois cúmplices e a punição severa
do juiz. Assim, que nenhum homem cobice a mulher alheia.
311 — A erva kuxá corta a mão que inábil a pega. Assim também leva ao niraya o ascetismo mal praticado.
312 — O dever cumprido com indiferença, a regra seguida invita, tudo isto trará apenas parca recompensa.
313 — O que deverás cumprir, fá-lo com todo o ardor. Um falso peregrino na senda só faz espalhar o mal.
314 — Melhor é evitar a má ação: quem a comete arrepender-se-á. Melhor é a boa ação; executada, nenhum arrependimento acarretará.
315 — Saiba guardar-te a ti mesmo, como a fortaleza bem guardada por dentro e por fora. Não abandones um só momento a defensiva. Os que de tal coisa se esquecem, por um minuto que seja, sofrem as penas do niraya.
316 — Alguns há que não se envergonham do escândalo, e escandalizam-se quando nada há de vergonhoso. Formar falsos juízos é entrar pelo mau caminho.
317 — Ter mêdo do que não é temível, e não temer o que é formidável; formular tais juízos é enveredar por mau caminho.
318 — Ver o mal onde não o há e não vê-lo onde existe; formular tais juízos é seguir a má estrada.
319 — Reconhecer o mal como mal, e o bem como bem, aderir à verdadeira Doutrina, é tomar o bom caminho.
O ELEFANTE
320 — Como o elefante de combate suporta a flecha disparada do arco, assim suportarei pacientemente as palavras ásperas dos malévolos que compõem o mundo,
321 — É conduzido à batalha o elefante domado. Monta-o o rajá. O melhor homem é o homem manso que suporta em silêncio as injúrias.
322 — Excelentes são os mulos amestrados e os cavalos puro-sangue de Sindh, e também os grandes elefantes de combate. Melhor ainda é o homem que a si mesmo domou.
323 — Não são tais alimárias que te transportarão à região inexplorada mas, dominando-nos a nós mesmos, poderemos lá chegar.
324 — Difícil de governar na época do cio é o grande elefante chamado Dhanapâlako. Acorrentado, recusa o alimento, Êle se lembra, êste grande elefante, da vida agradável da floresta.
325 — Quem fôr preguiçoso, glutão, com a cabeça pesada pelo sono, como o porco que se alimenta de detritos — este néscio conhecerá ainda inúmeros renascimentos.
326 — Por muito tempo, êste mental quis errar e vagabundear, seguindo a inclinação de seu bel-prazer, mas hoje eu o dominarei como o cornaca retém o elefante enfurecido.
327 — Sêde vigilantes, guardai com rigor o mental. Arrancai-vos da cloaca do mal como o elefante sai do pântano.
328 — Se achardes para vos acompanhar companheiro prudente, sóbrio, sábio, equânime em todos os perigos, não deixeis de vos pôr a caminho com êle.
329 — Se não encontrardes nenhum companheiro prudente, sóbrio e sábio, então, como um rei deixa o seu reino conquistado, ou como o elefante na floresta, ide só pelo caminho.
330 — É preferível viver só. O néscio não serve de companheiro. Ide então só na vida, sem fazer mal, com poucas necessidades, como o elefante errante através da selva,
331 — É bom ter às vêzes um amigo certo, E bom ficar satisfeito com tudo o que acontece. É bom no fim da vida ter agido bem. É bom estar livre de todos os cuidados.
332 — É bom ser mãe. É bom ser pai. É bom ser sámana. É bom possuir a santidade.
333 — É bom praticar a magnanimidade em todo o decurso da vida. É bom conservar a fé sólida. É bom adquirir sabedoria. É bom não praticar nenhum mal.
A CONCUPISCÊNCIA
334 — Em homem sem recolhimento, a concupiscência cresce como a planta trepadeira do Mâluva. Êle pula de existência em existência como o símio à cata de frutos na selva.
335— Quem é dominado pela feroz e venenosa cobiça, vê seus males crescer e aumentar como a relva do Bírana depois da chuva.
336— Mas quem domina esta cobiça tão difícil de vencer, vê seus males cair como a gôta dágua desliza do lódão.
337— A todos aquêles aqui reunidos eu dou êste conselho salutar: “Extirpai a raiz da cobiça, como se arranca a relva do Birana. Não deixeis Mâra quebrar-vos sem pausa, como o rio dobra a cana.
338 — Tal a árvore podada deita ainda brotos, ficando intactas e salvas as raízes; assim o sofrimento volta ainda e sempre, enquanto em nós não extirparmos o desejo.
339 — Incapaz de resistir poderosamente às trinta e seis torrentes de paixões, o homem mal guiado, ávido de prazer, é arrebatado pelas ondas.
340 — De tôdas as partes correm estas torrentes, e a planta trepadeira (da cobiça) se agarra e brota. Ao vê-la medrar, sêde bastante advertidos para cortá-la pela raiz.
341 — Deixando o espírito se demorar com delícia no meio das volúpias, os homens tornam-se vítimas do nascimento e da morte.
342 — Tontos de cobiça, correm os homens daqui para ali como lebres perseguidas pelo caçador. Agarrados e laçados, por muito tempo ainda terão que suportar o sofrimento.
343 — Tontos de cobiça, correm os homens daqui para lá como lebres acossadas. Rejeita portanto o desejo, ó bhikkhu, tu que aspiras a te libertar das paixões.•
344 — A aquêle que, liberto da selva do de leite, nela recaí, olha-o como o escravo fôrro voltando ao cativeiro.
345 — Aos olhos do sábio, não são feitas de ferro, madeira ou cânhamo as pesadas cadeias: são ainda, mais a ardente cobiça de jóias e enfeites, como o apêgo aos filhos e às espôsas.
346 — De certo, é forte grilhão, declara o sábio, e êle paralisa os homens e penoso é dêle se livrar. Entretanto, cortam-no alguns, e escolhem a vida sem lar; abandonam o prazer e o desejo sem olhar para trás.
347 — Há os que se prendem na própria rêde de prazer, como a aranha na teia. O sábio passa de largo, sem se voltar, e deixa atrás todos os cuidados.
348— Livra-te do passado, livra-te do presente para os superar. Liberto assim o mental, não mais voltarás a entrar no nascimento e na decrepitude.
349— O homem agitado pela dúvida, subjugado pelas paixões, só atento ao prazer, vê nêle crescer a concupiscência, forja para si pesadas cadeias.
350— O homem que se compraz na pacificação do mental, que não receia o desprazer, à verdade, removerá, cortará as cadeias de Mára.
351— Aproxima-se da grande Consumação sem temor, livre da cobiça, sem mancha, destruídos os espinhos da existência, e ser-lhe-à esta a última encarnação.
352 — Livre do desejo, desligado de tudo, hábil para compreender o Ensino, versado no sentido etimológico das palavras, tal se mostra êle na última encarnação; e chamam-lhe o Grande Homem, o Grande Sábio.
353 — ‘Eu sou aquêle que tudo compreendeu e aprendeu: que nada polui ou embaraça, livre pela destruição das cobiças, tendo, só, penetrado tudo, a quem pois poderia chamar de meu mestre?”
354 — Sôbre todos os dons, reina o dom da Doutrina. Acima de todos os sabôres, reina o sabor da Doutrina. Acima de tôdas as delicias reinam as delícias da Doutrina. Acima de todo sofrimento reina o término da cobiça.
355 — Aniquilam as riquezas o insensato, se ele não busca o que está além. Pela paixão por elas, destrói—se o néscio como o destruiriam os inimigos.
356 — São as ervas daninhas a perda dos campos; a perda da nossa geração é a avidez. Por conseqüência, produz muitos frutos o dom da doutritrina do desapêgo.
357 — São as ervas daninhas a perda dos campos, a perda da nossa geração é a ira. Por conseqüência, produz muitos frutos o dom que do ódio vos liberta
358 — São as ervas daninhas a perda dos campos; a perda da nossa geração é a ira. Por conseqüência, produz muitos frutos o dom que da vaidade vos liberta.
359 — São as ervas daninhas a perda dos campos; a perda da nossa geração é o desejo egoísta. Por conseqüência, produz muitos frutos o dom que do egoísmo vos liberta.
O BHIKKHU
360 — É bom saber refrear a vista. É bom regular o ouvido. É bom vigiar o olfato. É bom refrear o paladar.
361 — É bom vigiar a ação. É bom reprimir a palavra. É bom refrear o mental. Em todos os casos é boa a vigilância. Livre está de tôda a dor o bhikkhu que se controla de todos os modos.
362 — Merece chamar-se bhikkhu o homem que refreia os gestos, o andar, a língua, sente-se satisfeito, tranqüilo, contente consigo
363— O bhikkhti, senhor de sua língua, sábio e comedido nos propósitos, não ancho de orgulho, que interpreta a Doutrina, esclarecendo-a, doces como mel são suas palavras.
364 — Observante da Doutrina, alegrando-se na Doutrina, meditando na Doutrina, expondo a Doutrina, assim agindo o bhikkhu estará sempre nela firmemente fundado.
365 — Não deve o bhikkhu desdenhar dos próprios progressos (em sabedoria e virtude), nem olhar com inveja os de outrem. Não pode conseguir a concentração o bhikkhu que é invejoso.
366 — Mesmo que o progresso feito pelo bhikkhu não seja grande, que êle não desdenhe disso. Sendo sua vida pura e o labor constante, até dos deuses será louvado.
367 — Aquêle que, de tudo o que compõe o corpo e a mente, não acha nada de que possa dizer ‘isto é meu , e que não se lamenta sôbre o drama efêmero da vida, em verdade, êle se chama bhikkhu.
368 — O bhikkhu que age com bondade e se deleita no Ensino do Iluminado atinge tal bhikkhu a paz do nibbâna, têrmo tranqüilo e bem-aventurado da existência compósita.
369 — Deita fora o lastro, ó bhikkhu: uma vez aliviado, teu barco te levará sem esfôrço. Desembaraçado do desejo e da ira, entrarás no nibbâna.
370 — Suprime êstes cinco objetos: crença num eu distinto, indecisão, crença na eficácia dos ritos e cerimônias, luxúria, má vontade. Abandona êstes outros cinco: desejo da vida no mundo sem forma, desejo da vida no mundo da forma, orgulho, agitação do mental e ignorância. Cultiva êstes outros cinco: confiança, energia, atenção concentrada, meditação e sabedoria. O bhikkhu, assim quitituplamente libertado, é chamado oghatinna, isto é, o vogador da corrente.
371 — Sêde vigilantes, ó bhikkhus. Nada negligencieis. Não deixeis a mente evolver em tôrno dos prazeres sensuais, isto equivaleria a, por negligência, engolirdes uma bola de ferro em brasa, gritando: “Que suplício!”
372— Sem sabedoria não há meditação; sem meditação não há sabedoria. Está verdadeiramente perto do nibbâna aquêle que medita e é sábio,
373— Aquéle que desmobilou a casa (da vida), o bhikkhu de mental tranqüilo, goza de alegria sôbre-humana na clara visão da Doutrina.
374— Logo que com atenção concentrada êle vê como os elementos da existência nascem e desaparecem, goza da felicidade e da alegria
pertencentes aos conhecedores do nibbâna.
375— Eis as primeiras observâncias necessárias ao sábio bhikkhu: vigiar os sentidos, contentar-se com pouco, observar a disciplina requerida pela Doutrina, escolher por amigos sêres nobres, sinceros e puros.
376 — Seja o bhikkhu hospitaleiro, afável e cortês; assim, na plenitude da alegria, terá pôsto têrmo ao sofrimento.
377 — Como a vássikâ (jasmim) deixa cair as pétalas murchas, assim despoja-te da paixão e da ira, ó bhikkhu.
378 — Comedido em atos, comedido em palavras, calmo, plácido, livre de todo o apetite mundanal, tal é o bhikkhu que se chama sossegado.
379— Pelo Ego é preciso ativar o ego; é preciso refrear o ego pelo Ego; protegido pelo Ego, vigilante, prosseguirá o bhikkhu sua rota até a felicidade.
380— Porque o Ego é o seu próprio senhor, o Ego é o seu próprio refúgio. Saibas, portanto, reprimir-te como o mercador domina o impetuoso corcel.
381— Repleto de alegria, arrebatado pela mensagem do Buda, atinge o bhikkhu o plácido nibbâna, o apaziguamento feliz e tranqüilo da existência composta.
382 — Até um jovem bhikkhu consagrado à Doutrina do Sublime Desperto. ilumina êste mundo como a lua ao emergir das nuvens.
O BRÂMANE
383 — Detém a corrente, faze esfôrço, desembaraça-te das concupiscências, ó brâmane! Chegado à destruição das existências compostas. conhecerás o nibbâna, o incomposto.
384 — Quando o brâmane abarcou os dois estados de pacificação e de visão interna, então conhece a Realidade e todos os grilhões caem.
385 — Aquêle para quem não há subjetivo ou objetivo, o ser sem mêdo e sem entraves, chamo-lhe eu brâmane.
386 — Aquêle que à meditação se devota, que está isento do desejo, do amor da vida, da ilusão; que é sem mácula, fêz o que devia fazer, e atingiu a meta final, chamo-lhe eu brâmane.
387 — De dia arde o sol. De noite brilha a lua. Cintila em sua armadura o guerreiro. Luz o brâmane na meditação. Noite de dia sem cessar, resplandece o Buda.
388— É brâmane o homem que corajosamente bane o mal. É discípulo aquele cuja conduta é disciplinada; e asceta é o que de suas impurezas se purgou.
389— Que ao brâmane nenhum mal se lhe faça, e, atacado, o brâmane não revide. Opróbrio sôbre quem bate no brâmane. Desonra sôbre o brâmane que retorna a injúria.
390— Nada de melhor há, para o brâmane, que o domínio do mental e das inclinações (tendências). Suprimida a má intenção, a infelicidade é aplacada.
391— Aquêle que desconhece o mal em atos, palavras e pensamentos, ao homem que tem êste tríplice domínio, chamo-lhe eu brâmane.
392— A quem quer vos ensine a Doutrina do Buda Supremo, rendei-lhe homenagem e veneração como o brâmane diante da chama sagrada.
393 — Não são os cabelos trançados, a casta, o nascimento que fazem o brâmane. Em quem a verdade, a retidão e a piedade residem, êste
é verdadeiro brâmane.
394 — Que importam os cabelos trançados, ó homem néscio! Que importam as peles de cabras de que te cobres? Ocultas uma selva no coração, só tens da amenidade a aparência.
395 — Ao homem esfarrapado, emaciado, cujos músculos são salientes, e que, solitário, medita na floresta, a êste chamo-lhe eu brâmane.
396 — Não chamo porém brâmane ao, nato embora de tronco bramânico, é rico e arrogante. Ao que nada possui e a nada se apega, chamo-lhe eu brâmane.
394 — O que todos os ligamentos rompeu, e diante de nada mais treme, solto de todos os liames, chamo-lhe eu brâmane.
398 — O que a pouco e pouco cortou a correia (da inimizade), a venda (do apêgo) e a corda (do cepticismo); que afastou os obstáculos (da ignorância) que é iluminado, chamo-lhe eu brâmane.
399 — Aquêle que, sem ressentimentos, sofre as injúrias, os golpes e as cadeias, e da paciência fêz seu vigoroso escudo, chamo-lhe eu brâmane.
400 — Ao que da cólera se livrou, seus deveres observa, virtuoso, sem apetites, e está na última encarnação terrena, lhe chamo eu brârna ne.
401 — O que aos prazeres sensuais não mais se apega do que às pétalas do lódão a gota dágua, ou à ponta da agulha o grão de mostarda, a êste lhe chamo eu brâmane.
402 — Ao que nesta vida realizou a cessação do sofrimento e não mais tem fardo ou jugo, lhe chamo eu brâmane.
403 — Ao sábio de profunda sabedoria, conhecedor do bom e do mau caminho, tendo atingido o Objetivo Supremo, chamo-lhe eu brâmane.
404 — Ao que não busca a companhia dos leigos, nem do sámana e que é sem lar e tem poucas necessidades, lhe chamo eu brâmane.
405 — Ao que a nenhuma criatura fraca ou poderosa faz mal; e não comete ou faz cometer crimes lhe chamo eu brâmane.
406 — Tolerante com os intolerantes, entre os violentos manso, entre os interesseiros desinteressado, tal é a quem eu chamo brâmane.
407 — Ao que da luxúria e da ira, do orgulho e da inveja se desprendeu como da ponta da agulha o grão de mostarda, lhe chamo eu brâmane.
408 — Aquêle cuja bôca só boas palavras instrutivas e verdadeiras profere, e a ninguém no mundo causa dano, lhe chamo eu brâmane.
409 — Aquêle que nada toma que não se lhe dê, seja grande ou pequeno, curto ou longo, bom ou mau, lhe chamo eu brâmane.
410 — Aquêle que não languesce na espera dêste mundo ou de outro e não mais apêgo ou jugo tem, lhe chamo eu brâmane.
411 — Ao que não mais tem desejos, em quem a perfeição do conhecimento afastou tôdas as incertezas e que à condição do nibbâna imortal atingiu, a êste lhe chamo eu brâmane.
412 — Ao liberto dos dois entraves, o do bem e do mal, e que está livre de tormentos, de mácula e de impureza, lhe chamo eu brâmane.
413 — Aquêle que, tal a lua, é puro, claro e sereno, e acabou com as alegrias da existência, lhe chamo eu brâmane.
414 — Ao que ultrapassou a ilusão, esta senda lamacenta, esta rota espinhosa do ciclo das vidas e das mortes, aquêle que atravessou e
passou para a outra margem que é meditativo, sem desejo, sem incerteza, desapegado, plácido, lhe chamo eu brâmane.
415 — Ao que abandonou tôda luxúria, e se votou à vida errante, cuja sêde de existência está extinta, lhe chamo eu brâmane.
416 — Aquêle que deixou tôda cobiça e se votou à vida errante, e suprimiu em si a sêde da existência, lhe chamo eu brâmane.
417 — Aquêle que, deixado o jugo terrenal, rejeitou o jugo celeste e livrou-se de todos os jugos, lhe chamo eu brâmane.
418— Aquêle que acabou com o prazer e o desprazer, e chegou ao Sublime Equilíbrio, desatado da luxúria e das impurezas do espírito, êste herói vitorioso de todos os mundos, lhe chamo eu brâmane.
419— Aquêle que conhece a destruição e a volta de todos os sêres, o homem livre, o beato (súgata). o desperto (buddha), lhe chamo eu
brãmane.
420 — Aquêle cuja via não é conhecida dos deuses, dos semi-deuses e dos heróis mortais, que não mais tem desejos ou amor da vida, ou ilusão, a este homem venerável (ârhant), lhe chamo eu brâmane.
421 — Aquêle para quem não mais há passado, futuro ou presente, que de todo existente se esvaziou e a nada no mundo tem apêgo, a este lhe chamo eu brâmane.
422 — O Nobre por excelência, o Herói, o Sábio onipotente, o Vitorioso, o Impassível, o Sêr de todo realizado, o Desperto Supremo, a Êste lhe chamo eu brâmane.
423 — Aquêle que conhece as vidas precedentes, Àquele que vê as mansões celestes e os nirayas, Àquele que chegou ao término dos nascimentos, Àquele que obteve a clarividência, o Supremo, o Sábio de perfeito saber, o Realizado em tôdas as realizações, à verdade, lhe chamo eu brâmane.
[Fim ]
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