quinta-feira, 11 de março de 2010

No Ajahn Chah
















A Paz que está mais além

"...Meditar significa pacificar a mente de modo a permitir que a sabedoria surja…Para colocar de forma sucinta, é apenas uma questão de felicidade e infelicidade. A felicidade é uma sensação agradável na mente, a infelicidade é justamente a sensação desagradável. O Buda ensinou a separar essa felicidade e infelicidade da mente..."
É muito importante que pratiquemos o Dhamma. Se não praticarmos, então todo o nosso conhecimento será somente um conhecimento superficial, a sua cobertura externa somente. É como se tivéssemos um certo tipo de fruta mas que ainda não a tivéssemos comido. Apesar de termos essa fruta nas nossas mãos, ela não nos traz nenhum benefício. Somente comendo a fruta é que podemos realmente conhecer o seu sabor.

O Buda não louvava aqueles que simplesmente acreditavam nos outros, ele louvava a pessoa que tinha o conhecimento interiorizado. O mesmo que com a fruta, se nós já a tivermos provado, não precisaremos perguntar a ninguém mais se ela é doce ou azeda. Os nossos problemas estão solucionados. Porque estão resolvidos? Porque vemos de acordo com a verdade. Aquele que compreendeu o Dhamma é como aquele que percebeu a doçura ou acidez da fruta. Todas as dúvidas terminam nesse momento.

Quando falamos sobre o Dhamma, embora possamos falar muito, usualmente, isso pode ser resumido em quatro coisas. Elas são simplesmente entender o sofrimento, entender a causa do sofrimento, entender o fim do sofrimento e entender o caminho da prática que conduz ao fim do sofrimento. Isso é tudo. Tudo que experimentamos até agora no caminho da prática se resume nessas quatro coisas. Quando entendermos essas coisas, os nossos problemas terminam.

De onde surgem essas quatro coisas? Elas surgem justamente deste corpo e desta mente, de nenhum outro lugar. Então porque o Dhamma do Buda é tão amplo e extenso? Ele é assim de forma a explicar essas coisas de uma maneira mais detalhada, para ajudar-nos a vê-las.

Quando Siddhattha Gotama nasceu neste mundo, antes que ele enxergasse o Dhamma, ele era uma pessoa comum como qualquer um de nós. Quando ele entendeu o que era para ser entendido, isto é, a verdade do sofrimento, a causa, o fim e o caminho que conduz ao fim do sofrimento, ele compreendeu o Dhamma e se tornou um Buda perfeitamente Iluminado.

Quando nós compreendemos o Dhamma, em qualquer lugar que sentemos, entenderemos o Dhamma, em qualquer lugar que estejamos, ouviremos os ensinamentos do Buda. Quando nós compreendemos o Dhamma, o Buda está dentro da nossa mente, o Dhamma está dentro da nossa mente e a prática que conduz à sabedoria está dentro da nossa mente. Ter o Buda, o Dhamma e a Sangha dentro da nossa mente significa que, boas ou más, saberemos claramente, por nós mesmos, a verdadeira natureza das nossas ações. Foi assim que o Buda descartou as opiniões mundanas, ele descartou os elogios e as críticas. Quando as pessoas o elogiavam ou criticavam ele simplesmente aceitava ambos pelo que eram. Essas duas coisas são simplesmente condições mundanas, assim ele não se abalava com elas. Porque não? Porque ele conhecia o sofrimento. Ele sabia que se ele acreditasse nesse elogio ou crítica, estes lhe causariam sofrimento.

Quando o sofrimento surge ele nos agita, nos sentimos perturbados. Qual é a causa desse sofrimento? É porque não conhecemos a Verdade, essa é a causa. Quando a causa está presente, então o sofrimento surge. Uma vez que surge nós não sabemos como pará-lo. Quanto mais tentamos pará-lo, mais intenso ele fica. Nós dizemos, "Não me critique", ou "Não ponha a culpa em mim". Ao tentar pará-lo dessa forma, o sofrimento fica realmente mais intenso e ele não irá parar.

Portanto, o Buda ensinou que o caminho que conduz ao fim do sofrimento é fazer surgir o Dhamma como uma realidade dentro das nossas mentes. Nos tornamos alguém que testemunha o Dhamma por si mesmo. Se alguém diz que somos bons, nós não nos perdemos nisso; eles dizem que não somos bons, nós não nos perdemos nisso; eles dizem que não somos bons e nós não nos esquecemos de nós mesmos. Dessa forma podemos nos libertar. "Bem" e "mal" são apenas dhammas mundanos, eles são, apenas, estados da mente. Se os seguirmos, a nossa mente se transforma no mundo, nós ficamos tateando no escuro e não sabemos onde está a saída. Se é assim, então ainda não temos controle sobre nós mesmos. Tentamos derrotar os outros, mas agindo assim apenas derrotamos a nós mesmos; porém se temos controle sobre nós mesmos então temos controle sobre tudo - sobre todas as formações mentais, visões, sons, aromas, sabores e sensações corporais. Agora estou falando de coisas externas, elas são assim, mas o exterior também está refletido internamente. Algumas pessoas apenas conhecem o exterior, elas não conhecem o interior. Como quando dizemos para "ver o corpo no corpo". Ver o corpo exterior não é suficiente, precisamos conhecer o corpo dentro do corpo. Então, tendo investigado a mente, devemos conhecer a mente dentro da mente.

Porque devemos investigar o corpo? O que é esse "corpo no corpo"? Quando falamos conhecer a mente, o que é essa "mente"? Se não conhecermos a mente então não conheceremos as coisas dentro da mente. É ser alguém que não conhece o sofrimento, não conhece a causa, não conhece o fim e não conhece o caminho. As coisas que deveriam ajudar a extinguir o sofrimento não funcionam porque nós somos distraídos pelas coisas que o agravam. É como se tivéssemos uma coceira na cabeça e coçássemos a perna! Se é a nossa cabeça que está coçando então obviamente não vamos obter muito alívio. Da mesma forma, quando o sofrimento surge, não sabemos como lidar com ele, não conhecemos a prática que conduz ao fim do sofrimento.

Por exemplo, vejam o corpo, este corpo que cada um de nós trouxe a esta reunião. Se somente virmos a forma do corpo não há como escapar do sofrimento. Porque não? Porque ainda não enxergamos o interior do corpo, somente vemos o exterior. Somente o vemos como algo belo, que possui substância. O Buda disse que somente isso não é o suficiente. Nós vemos o exterior com os nossos olhos; uma criança pode vê-lo, animais podem vê-lo, não é difícil. O exterior do corpo pode ser visto com facilidade, mas ao vê-lo nos prendemos a ele, não conhecemos a verdade a seu respeito. Ao vê-lo nós o agarramos e ele nos morde!

Portanto devemos investigar o corpo dentro do corpo. Não importa o que exista no corpo, vá em frente e olhe. Se virmos somente o exterior, não estará nítido. Vemos cabelo, unhas e assim por diante e elas são apenas coisas belas que nos atraem, por isso o Buda nos ensinou a olhar para dentro do corpo, para ver o corpo dentro do corpo. O que é o corpo? Olhem para dentro atentamente! Veremos muitas coisas ali que nos surpreenderão, porque apesar de estarem dentro de nós, nós nunca as vimos. Para qualquer lugar que caminhemos, nós vamos carregá-las conosco, sentados em um carro, nós vamos levá-las conosco, mas mesmo assim não as conhecemos!

É como quando visitamos alguns parentes e eles nos dão um presente. Nós o pegamos e colocamos na nossa mala e depois saímos sem abri-lo para ver o que é. Quando finalmente o abrimos - está cheio de cobras venenosas! O nosso corpo é igual. Se virmos somente a sua casca diremos que ele é agradável e bonito. Nós nos esquecemos. Esquecemos que é impermanente, insatisfatório e não-eu. Se olharmos dentro deste corpo veremos que ele é realmente repulsivo. Se virmos de acordo com a realidade, sem tentar disfarçar as coisas, veremos que ele é realmente patético e cansativo. O desapego irá surgir. Essa sensação de "desinteresse" não quer dizer que sintamos aversão pelo mundo ou algo parecido; é simplesmente a nossa mente sendo limpa, a nossa mente se soltando dele. Vemos as coisas como elas são por natureza. Não importa como queiramos que sejam, elas serão do seu próprio jeito. Quer riamos ou choremos, elas são simplesmente como são. As coisas que são instáveis, são instáveis; as coisas que são feias, são feias.

Portanto o Buda disse que quando experimentamos visões, sons, sabores, aromas, sensações corporais ou estados mentais, deveríamos libertá-los.Quando o ouvido ouve um som, deixe-o ir. Quando o nariz cheira um aroma, deixe-o ir…deixe-o no nariz! Quando as sensações corporais surgem, solte-se do gostar ou não gostar que vem em seguida, deixe que retornem para onde vieram. O mesmo para os estados mentais. Todas essas coisas, deixe que elas sigam o seu caminho. Isso é o conhecimento. Quer seja felicidade ou infelicidade, é a mesma coisa. A isto se chama meditação.

Meditação significa pacificar a mente de forma que a sabedoria possa surgir. Isso exige que pratiquemos com o corpo e a mente de forma a ver e conhecer as impressões sensuais da forma, do som, do sabor, do toque e das formações mentais. Colocando de modo resumido, é somente uma questão de felicidade e infelicidade. A felicidade é uma sensação agradável na mente, a infelicidade é justamente a sensação desagradável. O Buda ensinou a separar essa felicidade e infelicidade da mente. A mente é aquela que sabe. A sensação [10] é a característica da felicidade ou infelicidade, gostar ou não gostar. Quando a mente se entrega a essas coisas dizemos que ela se apega ou assume que essa felicidade e infelicidade merecem ser guardadas. Esse apego é uma ação mental, essa felicidade ou infelicidade é a sensação.

Quando afirmamos que o Buda nos disse para separar a mente da sensação, ele não quis dizer literalmente colocá-los em lugares diferentes. Ele quis dizer que a mente deve conhecer a felicidade e a infelicidade. Quando estamos sentados em samadhi, por exemplo, e a paz preenche a mente, então a felicidade pode vir mas ela não nos atinge, a infelicidade pode vir mas não nos atinge. Isto é o que quer dizer separar a sensação da mente. Podemos compará-lo com a água e óleo numa garrafa. Eles não se combinam. Mesmo se você tentar misturá-los, o óleo permanece como óleo e a água permanece como água. Porque ocorre isso? Porque eles possuem densidades diferentes.

O estado natural da mente não é nem de felicidade nem de infelicidade. Quando uma sensação entra na mente então a felicidade ou infelicidade surge. Se tivermos atenção plena então entenderemos a sensação agradável como sensação agradável. A mente que sabe não irá se agarrar a ela. A felicidade se encontra ali mas está "do lado de fora" da mente, não está enterrada dentro da mente. A mente simplesmente sabe disso com clareza.

Se separarmos a infelicidade da mente, isso significa que não haverá sofrimento, que nós não o experimentaremos? Sim, nós o experimentamos, porém sabemos que a mente é mente e a sensação é sensação. Nós não nos agarramos a essa sensação ou a carregamos conosco. O Buda separou essas coisas através do conhecimento. Ele sofria? Ele conhecia o estado de sofrimento mas não se apegava a ele, dessa forma dizemos que ele extirpou o sofrimento. E também havia a felicidade, mas ele conhecia essa felicidade, quando ela não é conhecida, é como um veneno. Ele não a tomou como parte de si mesmo. A felicidade ali estava através do conhecimento, mas ela não existia na sua mente. Dessa forma dizemos que ele separou a felicidade e a infelicidade da sua mente.

Quando dizemos que o Buda e os Iluminados aniquilaram as contaminações, [11] não é que eles realmente as aniquilaram. Se eles as tivessem aniquilado então provavelmente nós não teríamos nenhuma! Eles não aniquilaram as contaminações, quando eles as conheceram pelo que elas são, eles se soltaram delas. Alguém que seja estúpido irá se agarrar a elas, mas os Iluminados conheciam as contaminações como veneno nas suas mentes, assim eles as varreram para fora. Eles varreram para fora as coisas que lhes causavam sofrimento, eles não as aniquilaram. Alguém que não saiba disso verá algumas coisas, assim como a felicidade, como boas e então irá agarrá-las, mas o Buda as conhecia e simplesmente as varria para fora.

Mas quando a sensação surge nos entregamos a ela, isto é, a mente carrega consigo aquela felicidade e infelicidade. Na verdade elas são duas coisas distintas. As atividades da mente, sensações agradáveis, sensações desagradáveis e assim por diante, são impressões mentais, elas são o mundo. Se a mente sabe disso ela pode lidar igualmente com a felicidade ou a infelicidade. Porque? Porque ela conhece a verdade acerca dessas coisas. Alguém que não a conhece, as vê como sendo iguais. Se você se apega à felicidade será ali onde irá surgir a infelicidade mais tarde, porque a felicidade é instável, ela muda o tempo todo. Quando a felicidade desaparece, surge a infelicidade.

O Buda sabia disso porque ambas a felicidade e a infelicidade são insatisfatórias, elas possuem o mesmo valor. Quando surgia a felicidade ele a soltava . Ele tinha a prática correta, vendo que ambas as coisas possuem valores e desvantagens iguais. Elas se submetem à lei do Dhamma, isto é, elas são instáveis e insatisfatórias. Uma vez que nascem, elas morrem. Quando ele viu isso, o entendimento correto despertou e a prática correta se tornou clara. Não importa que tipo de sentimento ou pensamento surgia na sua mente, ele sabia que era simplesmente o jogo contínuo da felicidade e infelicidade. Ele não se apegava a elas.

Pouco após a sua iluminação o Buda deu um sermão acerca de entregar-se ao prazer e de entregar-se à dor. "Bhikkhus! Entregar-se ao prazer é o caminho relaxado, entregar-se à dor é o caminho tenso". Essas foram as duas coisas que atrapalharam a sua prática até o dia em que ele se iluminou, porque no início ele não se soltava delas. Assim que ele as entendeu, ele passou a se soltar delas e dessa forma foi capaz de proferir o seu primeiro sermão.

Portanto, dizemos que um meditador não deve seguir o caminho da felicidade ou infelicidade, de preferência ele deve entendê-las. Entendendo a verdade do sofrimento, ele saberá a causa do sofrimento, o fim do sofrimento e o caminho que conduz ao fim do sofrimento. E o caminho que conduz ao fim do sofrimento é a própria meditação. Para colocar de maneira simples, precisamos estar plenamente atentos.

Atenção plena é saber, ou presença da atenção. Exatamente agora o que estamos pensando, o que estamos fazendo? O que temos conosco exatamente neste instante? Observamos dessa forma, estamos conscientes de como estamos vivendo. Quando praticamos dessa forma, a sabedoria pode surgir. Nós consideramos e investigamos todo o tempo, em todas as posturas. Quando uma impressão mental surge e queremos conhecê-la tal como ela é, nós não a tomamos como sendo algo com substância. É apenas felicidade. Quando a infelicidade surge sabemos que se trata da entrega à dor, não é o caminho de um meditador.

Isto é o que chamamos de separar a mente da sensação. Se formos espertos não nos apegamos, deixamos as coisas como são. Nos tornamos "aquele que sabe'. A mente e a sensação são como óleo e água, elas estão na mesma garrafa mas não se misturam. Mesmo se estivermos enfermos ou com dor, ainda assim entenderemos a sensação como sensação, a mente como mente. Conhecemos os estados desconfortáveis ou confortáveis mas não nos identificamos com eles. Somente permanecemos com a paz, a paz que está além do conforto e da dor.

Você deve entender dessa forma, porque se não há um eu permanente então não existe refúgio. Você deve viver dessa forma, isto é, sem felicidade e sem infelicidade. Você permanece simplesmente com esse entendimento, você não carrega essas coisas.

Enquanto não alcançarmos a iluminação tudo isso pode soar estranho mas não tem importância, nós simplesmente colocamos o nosso objetivo nessa direção. A mente é a mente. Ela encontra a felicidade e a infelicidade e as vemos apenas como tais, nada além disso. Elas são divididas, não misturadas. Se estiverem misturadas então não as entenderemos. É como viver em uma casa, a casa e o seu morador estão relacionados, porém separados. Se a nossa casa está em perigo ficamos aflitos porque precisamos protegê-la, mas se a casa pegar fogo precisaremos abandoná-la. Se uma sensação desconfortável surge nós a abandonamos, tal como com a casa. Se ela estiver em chamas e nós soubermos disso, sairemos correndo. São duas coisas distintas; a casa é uma coisa, o morador é outra.

Dizemos que separamos a mente e a sensação dessa forma, mas na verdade por natureza elas já estão separadas. A nossa realização é simplesmente conhecer essa separação natural de acordo com a realidade. Quando dizemos que elas não estão separadas é porque por ignorância da verdade nos apegamos a elas.

Por isso o Buda nos disse para meditar. Essa prática de meditação é muito importante. Somente conhecer com o intelecto não é suficiente. O conhecimento que é obtido através da prática com uma mente tranqüila e o conhecimento que é obtido através do estudo são dois tipos realmente muito distintos. O conhecimento que é obtido através do estudo não é o verdadeiro conhecimento da nossa mente. A mente tenta agarrar e manter esse conhecimento. Porque tentamos mantê-lo? Solte-o ! E então quando o soltamos, lamentamos!

Se realmente tivermos o conhecimento, então poderemos nos soltar de tudo, que as coisas sejam como são. Sabemos como as coisas são e não nos esquecemos. Se acontecer de ficarmos enfermos não nos perderemos nisso. Algumas pessoas pensam, "Este ano estive enfermo todo o tempo, não pude nunca meditar". Essas são as palavras de uma pessoa realmente tola. Alguém que esteja enfermo e morrendo deve realmente ser diligente na sua prática. Uma pessoa pode dizer que não confia no seu corpo e por isso sente que não consegue meditar. Se pensarmos assim então as coisas ficarão difíceis. O Buda não ensinou dessa forma. Ele disse que aqui mesmo é o lugar para meditar. Quando estamos enfermos ou morrendo é quando podemos realmente ver e conhecer a realidade.

Outras pessoas dizem que elas não têm a oportunidade de meditar porque estão muito ocupadas. Algumas vezes professores me procuram. Eles dizem que possuem muitas responsabilidades e por isso não têm tempo para meditar. Eu lhes pergunto, "Quando vocês estão ensinando, vocês têm tempo para respirar?" Eles respondem, "Sim". "Portanto como que vocês têm tempo para respirar se o trabalho é tão agitado e confuso? Nesse caso, vocês estão distantes do Dhamma."

Na realidade, esta prática é justamente sobre a mente e as sensações. Não se trata de algo que você tenha de correr atrás ou se esforçar. A respiração continua enquanto trabalhamos. A natureza toma conta dos processos naturais - tudo que precisamos fazer é estar atentos. Continuar tentando apenas, ver internamente com clareza. A meditação é assim.

Se tivermos essa atenção presente, então todo trabalho que façamos será a ferramenta que nos permitirá continuamente saber o que é certo e o que é errado. Existe muito tempo para meditar, nós apenas não entendemos a prática de forma completa, isso é tudo. Enquanto estamos dormindo, respiramos; comendo, respiramos, não é mesmo? Porque não temos tempo para meditar? Onde quer que seja que estejamos, respiramos. Se pensarmos dessa forma então a nossa vida tem tanto valor quanto a nossa respiração, onde quer que estejamos, temos tempo.

Todos os tipos de pensamentos são condições mentais, não condições do corpo, deste modo, precisamos simplesmente ter a atenção presente, então saberemos o que é certo e o que é errado todo o tempo. Em pé, caminhando, sentado e deitado, existe tempo de sobra. Nós, apenas, não sabemos como usá-lo da forma apropriada. Por favor levem isso em conta.

Não podemos fugir das sensações, precisamos conhecê-las. Sensação é apenas sensação, felicidade é apenas felicidade, infelicidade é apenas infelicidade. Elas são simplesmente isso. Portanto, porque deveríamos nos apegar a elas? Se a mente for esperta, só de ouvir isso seria o suficiente para nos permitir separar a sensação da mente.

Se investigarmos dessa forma continuamente, a mente irá encontrar a libertação, mas não escapará através da ignorância. A mente se solta de tudo, quando ela sabe. Ela não solta devido à estupidez, não porque ela não queira que as coisas sejam como são. Ela solta porque sabe de acordo com a verdade. Isso é ver a natureza, a realidade que está à nossa volta.

Quando sabemos isso somos alguém hábil com a mente, temos habilidade com as impressões mentais. Quando temos habilidade com as impressões mentais somos hábeis com o mundo. Isto é ser um "Conhecedor do Mundo". O Buda era alguém que claramente conhecia o mundo com todas as suas dificuldades. Ele sabia que o que é preocupante e que o que não é preocupante estavam exatamente ali. O mundo é tão confuso, como é que o Buda foi capaz de entendê-lo? Com relação a isso devemos entender que o Dhamma ensinado pelo Buda não está além da nossa capacidade. Em todas as posturas devemos ter a atenção presente e autoconsciência - e quando for o momento para sentar em meditação, fazemos apenas isso.

Nós sentamos em meditação para estabelecer a paz e cultivar a energia mental. Nós não o fazemos com o propósito de explorar algo especial. A meditação de insight é estar sentado em samadhi . Em alguns lugares se diz, "Agora vamos sentar em samadhi, depois disso faremos meditação de insight". Não faça essa separação! A tranqüilidade é a base que faz surgir a sabedoria, a sabedoria é o fruto da tranqüilidade. Dizer que agora vamos fazer a meditação da tranqüilidade e mais tarde insight - você não pode fazer isso! Você somente consegue dividi-las na linguagem. Tal como uma faca, a lâmina está de um lado, a parte de trás da lâmina do outro. Você não consegue dividi-las. Se você pegar um lado irá na verdade ficar com os dois lados. A tranqüilidade faz a sabedoria surgir dessa forma.

A Virtude é o pai e a mãe do Dhamma. No princípio precisamos ter virtude. A virtude é paz. Isso significa que não existem ações incorretas com o corpo ou a linguagem. Quando não agimos da forma incorreta não ficamos agitados; quando não ficamos agitados, então a paz e o autocontrole surgem na mente. Portanto dizemos que a virtude, concentração e sabedoria são o caminho que todos os Nobres trilharam em direção à iluminação. Eles são um só. A virtude é concentração, a concentração é virtude. A concentração é sabedoria, a sabedoria é concentração. É tal como uma manga. Quando ela é uma flor a chamamos de flor. Quando se torna uma fruta a chamamos de manga. Quando amadurece nós a chamamos de manga madura. Tudo isso é uma manga que muda continuamente. A manga grande se desenvolve da manga pequena, a manga pequena se torna uma grande. Você pode chamá-las de nomes diferentes ou dar um nome só. Virtude, concentração e sabedoria estão relacionadas dessa forma. Ao final todas são o caminho que conduz à iluminação.

A manga, do momento em que surge como uma flor, simplesmente se desenvolve até o amadurecimento. Isso é o suficiente, nós devemos ver dessa forma. Seja o que for que os outros a chamem, não importa. Uma vez nascida ela cresce até envelhecer, e depois o que? Devemos meditar sobre isso.

Algumas pessoas não querem envelhecer. Quando elas envelhecem elas ficam se lamentando. Essas pessoas não deveriam comer mangas maduras! Porque queremos que as mangas amadureçam? Se não amadurecem no tempo certo, nós as amadurecemos artificialmente, não é verdade? Porém quando envelhecemos ficamos cheios de lamentações. Algumas pessoas choram, elas temem envelhecer ou morrer. Se é assim, então elas não deveriam comer mangas maduras, melhor comer somente as flores! Se podemos enxergar isso, então poderemos ver o Dhamma. Tudo fica claro, estamos em paz. Decida-se a praticar dessa forma.

Assim, hoje, o Chefe Conselheiro e o seu grupo vieram juntos para ouvir o Dhamma. Vocês deveriam tomar o que eu disse e analisar tudo cuidadosamente. Se algo não estiver correto, por favor me desculpem. Mas para saberem se está certo ou errado, depende de praticarem e enxergarem por si mesmos. Aquilo que estiver errado, joguem fora. Aquilo que estiver certo, guardem e usem. Mas na verdade, nós praticamos para soltar ambos, o que é correto e o que é incorreto. Ao final jogamos tudo fora. Se for correto, jogue fora; se for incorreto, jogue fora! Usualmente, se for correto nos apegamos à correção, se for incorreto, nos agarramos à idéia de que é incorreto e então as discussões surgem. Mas o Dhamma é o lugar onde não existe nada - absolutamente nada.


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Notas:

10. Sensação é uma tradução da palavra em Pali vedana, e deve ser entendida com o sentido dado por Ajaan Chah: como os estados mentais de gostar, não gostar, alegria, tristeza, etc.

11. Contaminações, ou kilesa, são os hábitos nascidos da ignorância que infestam as mentes de todos os seres não iluminados.


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